sábado, outubro 21, 2006

Há algo maior do que o qual nada pode ser pensado


O título deste post refere-se a uma expressão descritiva de Deus por Santo Anselmo, num argumento que foi altamente divulgado e usado por autores como Espinosa e Descartes (que o apelidavam de “argumento a priori”), e criticado por Kant (que chamou este argumento de “ontológico”).
Aqui, a discussão não será acerca do próprio argumento, pelo que apenas se dará uma breve ideia daquilo em que consiste: segundo Sto Anselmo, se podemos imaginar “algo maior do que o qual nada pode ser pensado”, então, da possibilidade de ser pensado, pode retirar-se a sua existência. Isto porque, segundo este autor medieval, se esse “algo maior do que o qual nada pode ser pensado” não existisse, então poder-se-ia pensar em algo ainda maior. O argumento foi profundamente abalado pela Crítica de Kant, mas sobre isso não nos iremos pronunciar.
O que acontece, é que Nietzsche, entre muito autores contemporâneos, já proclamou bem alto a “morte de Deus”. Ora, esse “algo maior do que o qual nada pode ser pensado” ficou sem nenhuma referência, isto é, sem nenhuma reportação ao real.
Isto é bem grave, como sabemos – todos os bons ateus – e inaugurou uma novíssima crise de valores que se arrasta até aos nossos dias. Arrasta, ou antes, arrastava, porque os nossos caros governantes acabaram com esse gap da nossa alma.
Na verdade, estão lançadas as bases para uma novíssima tabela de valores. Sim, meus senhores, Deus foi substituído pela contenção da despesa pública! Eis a nova entidade auto-reguladora, a primeira das causas, onde residem os paradigmas do bem, do bom e do belo em si mesmos.
Assim se justificam todos os atropelos, toda a Cruzada que depaupera os povos e os trabalhadores. Mas tudo em nome de “algo maior do que o qual nada pode ser pensado”, a contenção da despesa pública!
Assim, também, se justificam o tom messiânico dos governantes e o seu grave silêncio, próprio dos fiéis guardiães do segredo – “a obscuridade própria da brevidade, protege os fiéis guardiães do segredo”